María Branyas, 113 anos de idade e que se acredita ser a mulher mais velha da Espanha, tinha apenas sintomas leves de Covid-19. Em Nova Jersey, o governador Phil Murphy elogiou Sylvia Goldsholl por ter vencido o novo coronavírus aos 108 anos de idade. Connie Titchen, 106 anos, recebeu uma rodada de aplausos de médicos e enfermeiras ao sair do Hospital Municipal de Birmingham. Ela disse que teve muita sorte em ter lutado contra o vírus.
Um dos fatos estabelecidos sobre o Covid-19 é que ele atinge mais duramente as pessoas mais velhas – e é por isso que as histórias de centenários batendo no Covid-19 despertaram a curiosidade da geneticista Mayana Zatz. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, o risco de morrer devido ao Covid-19 é 630 vezes maior em pessoas com mais de 85 anos de idade do que em adultos jovens de 18 a 29 anos. Então, como alguns dos mais velhos sobrevivem ilesos ao Covid-19?
Zatz, que dirige o Centro de Pesquisa do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo, no Brasil, tem um palpite de que a pura sorte não é suficiente para explicar isso. Ela sempre ficou intrigada com a forma como certos idosos parecem superar sem esforço todos os tipos de problemas de saúde. Nos últimos anos, sua equipe sequenciou todo o genoma de 1.170 pessoas acima de 60 anos. Um dos objetivos do projeto, que é o maior estudo de genoma de adultos idosos da América Latina, foi identificar traços genéticos que possam contribuir para um envelhecimento saudável. Zatz estava no processo de escrever os resultados quando a pandemia atingiu.
“Quando as pessoas me perguntam por que essas pessoas estão sobrevivendo, eu geralmente respondo que provavelmente é precisamente porque elas são centenárias”.
Agora focado naqueles maiores de 95 anos que derrotaram o Covid-19, Zatz já está recrutando e coletando amostras de sangue de pessoas dessa faixa etária que foram diagnosticadas com Covid-19 ou que estavam em contato muito próximo com pacientes Covid-19 sintomáticos. “Quando as pessoas me perguntam por que essas pessoas estão sobrevivendo, eu geralmente respondo que provavelmente é precisamente por serem centenários”, diz Zatz. “Aparentemente, essas pessoas têm uma enorme resistência a qualquer desafio vindo do ambiente, incluindo o Covid-19”
Por meio de toda a sequência do genoma, ela espera identificar possíveis mutações genéticas associadas à super-resistência do Covid-19. “Nós suspeitamos que não é um único gene, mas uma combinação de genes”, diz Zatz. E se tais mutações existem, ela quer saber o que elas fazem. As mutações são responsáveis por alterar a função de uma certa proteína que pode contribuir para a defesa do organismo contra o vírus, por exemplo? Se os cientistas conseguem encontrar uma maneira de desencadear esse mesmo efeito em pessoas sem tais mutações, isso poderia ser uma nova estratégia de tratamento em potencial a ser explorada.
Outra etapa da pesquisa é usar as células sanguíneas dos centenários para gerar outros tipos de células no laboratório, como as células cardíacas, respiratórias ou nervosas, e observar como elas respondem ao Covid-19 em comparação com as células de pessoas com a doença que desenvolveram sintomas graves. No laboratório, é possível reprogramar células sanguíneas nas chamadas células estaminais pluripotentes induzidas (IPS). Estas células comportam-se como certas células de um embrião humano que são capazes de crescer em diferentes tipos de tecidos. Observando como o vírus se comporta nos tecidos dos centenários também pode abrir novos caminhos para tratamentos, diz Zatz.
Até agora, seu centro de pesquisa inscreveu seis voluntárias, todas mulheres de 98 a 106 anos, que tinham apenas sintomas leves de Covid-19 ou nenhum sintoma, apesar de estarem em contato próximo com alguém diagnosticado com o vírus.
Uma das voluntárias é Carmen Ferri, de 98 anos. Seu filho de 72 anos de idade, Antonio, teve sintomas de flúlike em março. Através de uma consulta médica online, ele foi mal diagnosticado com uma infecção sinusal e tratado com antibióticos em casa, onde vive com sua esposa e Carmen. Durante cerca de 10 dias, Antonio continuou a ter contato próximo com sua mãe. Como um dos principais cuidadores de Carmen, ele a ajuda a contornar a casa e usar o banheiro. Estes foram os primeiros dias da pandemia no Brasil, e ninguém em casa usava máscaras.
Quando os sintomas de Antonio pioraram, seu genro o levou ao hospital, onde foi diagnosticado com Covid-19 e passou 15 dias na unidade de cuidados semi-intensivos. “Achámos muito curioso que a minha avó não adoecesse depois de ter tido um contacto tão próximo com o meu pai infectado”, diz Adriana Ferri, uma antiga investigadora genética e neta de Carmen. “Acredito que há algo diferente nela. Talvez um gene protetor ou um sistema imunológico forte”. Estou muito curiosa para ver o que esta pesquisa vai encontrar”
Para ampliar sua busca por um gene de resistência, Zatz incluiu outro grupo de pessoas em sua pesquisa: casais onde apenas um dos dois foi infectado com Covid-19. Pessoas que conseguiram escapar do vírus apesar de compartilhar a cama com um parceiro sintomático também são potencialmente resistentes, e a cientista espera que seus genomas ajudem a responder algumas de suas perguntas.
Estudar essas pessoas também pode levar a uma avaliação de quanto da população é naturalmente resistente ao vírus. “A maioria dos estudos estima o número de pessoas infectadas em uma determinada população, observando a porcentagem daqueles com anticorpos. Mas não temos idéia de quantas pessoas, apesar de não terem anticorpos, são resistentes ao vírus”, diz Zatz.
Apenas como há centenários sobrevivendo ao Covid-19, há, infelizmente, jovens sem nenhuma condição subjacente sendo derrotados pela doença. O laboratório de Zatz fez parceria com outra equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que estão realizando autópsias minimamente invasivas em pessoas que morreram com suspeita de Covid-19. Sua equipe irá selecionar jovens que morreram com a doença e sem comorbidades e irá sequenciar seu genoma a partir de amostras de pele.
Neste caso, o objetivo é procurar por genes de vulnerabilidade. O centro de pesquisa de Zatz está colaborando, juntamente com várias instituições ao redor do mundo, com um consórcio internacional chamado Covid Human Genetic Effort para encontrar a base genética da infecção coronavírus grave em jovens. Em um artigo recente, a equipe descreveu a hipótese de que casos graves em jovens e saudáveis são devidos ao que é chamado de “erros congênitos monogênitos de imunidade”, genes únicos que perturbam a imunidade de uma pessoa a certos patógenos. O grupo submeteu recentemente seus primeiros resultados, ainda não publicados, à revista Science.
A idéia de que existe uma interação entre a genética de uma pessoa e o quanto ela é vulnerável a um determinado patógeno já existe há algum tempo. Muito antes de se tornar possível o sequenciamento genético, esta relação foi explorada através de estudos com gêmeos, que são bons para revelar se os genes estão desempenhando um papel em uma determinada doença. Um estudo com gêmeos de 1943 revelou, por exemplo, que fatores genéticos podem ser responsáveis por uma vulnerabilidade à tuberculose.
Graças às modernas técnicas de seqüenciamento genético, a busca por genes de resistência e vulnerabilidade é agora possível, e a genética pode ser a chave para resolver o mistério de porque o Covid-19 é tão devastador para algumas pessoas, mas não para outras.