The Harvard Gazette

Na era da internet, os consumidores parecem cada vez mais resignados a desistir de aspectos fundamentais de sua privacidade por conveniência no uso de seus telefones e computadores, e têm aceitado de má vontade que ser monitorado por corporações e até mesmo governos é apenas um fato da vida moderna.

Na verdade, os usuários de internet nos Estados Unidos têm menos proteções de privacidade do que os de outros países. Em abril, o Congresso votou para permitir que os provedores de serviços de internet coletassem e vendessem os dados de navegação de seus clientes. Em contraste, a União Européia atingiu o Google neste verão com uma multa antitruste de US$ 2,7 bilhões.

Para avaliar o cenário da internet, a Gazette entrevistou o especialista em cibersegurança Bruce Schneier, um colega do Berkman Klein Center for Internet & Society and the Belfer Center for Science and International Affairs da Harvard Kennedy School. Schneier falou sobre vigilância governamental e corporativa, e sobre o que os usuários preocupados podem fazer para proteger sua privacidade.

GAZETTE: Após as revelações do denunciante Edward Snowden sobre a operação de vigilância em massa da Agência Nacional de Segurança (NSA) em 2013, o quanto o cenário governamental neste campo mudou?

SCHNEIER: As revelações de Snowden conscientizaram as pessoas sobre o que estava acontecendo, mas pouco mudou como resultado. A Lei da Liberdade dos EUA resultou em algumas pequenas mudanças em um determinado programa de coleta de dados do governo. A coleta de dados da NSA não mudou; as leis que limitam o que a NSA pode fazer não mudaram; a tecnologia que lhes permite fazer isso não mudou. É praticamente a mesma coisa.

GAZETTE: Os consumidores devem ficar alarmados com isto?

SCHNEIER: As pessoas devem ficar alarmadas, tanto como consumidores como como cidadãos. Mas hoje em dia, o que nos interessa é muito dependente do que está nas notícias no momento, e neste momento a vigilância não está nas notícias. Não foi um assunto nas eleições de 2016 e, de um modo geral, não é algo em que os legisladores estejam dispostos a tomar uma posição. Snowden contou sua história, o Congresso aprovou uma nova lei em resposta, e as pessoas seguiram em frente.

Gráfico por Rebecca Coleman/Harvard Staff

GAZETTE: E a vigilância corporativa? O quanto é difundida?

SCHNEIER: A vigilância é o modelo de negócio da Internet. Todos estão sob vigilância constante de muitas empresas, desde redes sociais como Facebook até provedores de celulares. Esses dados são coletados, compilados, analisados e usados para tentar nos vender coisas. A publicidade personalizada é como essas empresas ganham dinheiro, e é por isso que grande parte da internet é gratuita para os usuários. Nós somos o produto, não o cliente.

GAZETTE: Devem ser parados?

SCHNEIER: Essa é uma questão filosófica. Pessoalmente, eu acho que em muitos casos a resposta é sim. É uma questão de quanta manipulação permitimos na nossa sociedade. Neste momento, a resposta é basicamente tudo o que vale. Nem sempre foi assim. Nos anos 70, o Congresso aprovou uma lei para tornar ilegal uma forma particular de publicidade subliminar, porque se acreditava ser moralmente errada. Essa técnica publicitária é uma brincadeira de criança comparada com o tipo de manipulação personalizada que as empresas fazem hoje em dia. A questão legal é se este tipo de ciber-manipulação é uma prática comercial desleal e enganosa e, se assim for, a Comissão Federal de Comércio pode intervir e proibir muitas destas práticas.

GAZETTE: Porque é que a comissão não faz isso? Por que esta intrusão está acontecendo, e ninguém faz nada a respeito?

SCHNEIER: Estamos vivendo em um mundo de baixa eficácia governamental, e aí a idéia neoliberal predominante é que as empresas devem ser livres para fazer o que querem. Nosso sistema é otimizado para empresas que fazem tudo que é legal para maximizar os lucros, com pouco aceno à moralidade. Shoshana Zuboff, professora da Harvard Business School, inventou o termo “capitalismo de vigilância” para descrever o que está acontecendo. É muito lucrativo e se alimenta da propriedade natural dos computadores para produzir dados sobre o que eles estão fazendo. Por exemplo, os celulares precisam saber onde todos estão para que possam fazer chamadas telefônicas. Como resultado, eles são dispositivos de vigilância onipresentes além dos sonhos mais selvagens da Guerra Fria da Alemanha Oriental.

GAZETTE: Mas Google e Facebook enfrentam mais restrições na Europa do que nos Estados Unidos. Porque é que?

SCHNEIER: A Europa tem regulamentos de privacidade mais rigorosos do que os Estados Unidos. Em geral, os americanos tendem a desconfiar do governo e das corporações de confiança. Os europeus tendem a confiar no governo e desconfiam das corporações. O resultado é que há mais controles sobre a vigilância do governo nos EUA do que na Europa. Por outro lado, a Europa restringe suas corporações em um grau muito maior do que os EUA. A lei dos EUA tem uma maneira de tratar as empresas de internet. Sistemas computadorizados, por exemplo, estão isentos de muitas leis normais de confiabilidade de produtos. Isto foi feito originalmente por medo de sufocar a inovação.

“O Google sabe muito sobre todos nós. Nunca ninguém mente a um motor de busca. Eu costumava dizer que o Google sabe mais sobre mim do que minha esposa sabe, mas isso não vai longe o suficiente. O Google me conhece ainda melhor, porque o Google tem memória perfeita de uma forma que as pessoas não têm.”
-Bruce Schneier, especialista em cibersegurança

GAZETTE: Parece que os clientes americanos estão resignados com a idéia de abrir mão de sua privacidade em troca de usar o Google e o Facebook de graça. Qual é a sua opinião sobre isto?

SCHNEIER: Os dados da pesquisa são mistos. Os consumidores estão preocupados com a sua privacidade e não gostam que as empresas conheçam os seus segredos íntimos. Mas eles se sentem impotentes e frequentemente se resignam com as invasões de privacidade porque não têm escolha real. As pessoas precisam possuir cartões de crédito, transportar telemóveis e ter endereços de e-mail e contas nas redes sociais. É isso que é preciso para ser um ser humano em pleno funcionamento no início do século XXI. É por isso que precisamos que o governo entre.

GAZETTE: Você é um dos mais conhecidos especialistas em segurança cibernética do mundo. O que você faz para proteger sua privacidade online?

SCHNEIER: Eu não tenho nenhuma técnica secreta. Eu faço as mesmas coisas que todos os outros fazem, e faço as mesmas trocas que todos os outros fazem. Faço transações bancárias online. Eu faço compras online. Eu carrego um telemóvel, e está sempre ligado. Uso cartões de crédito e tenho contas de voadores frequentes de companhias aéreas. Talvez o mais estranho do meu comportamento na internet é que eu não estou em nenhuma plataforma de mídia social. Isso pode fazer de mim uma aberração, mas honestamente é bom para a minha produtividade. Em geral, os especialistas em segurança não são paranóicos; apenas temos uma melhor compreensão das compensações que estamos fazendo. Como toda a gente, nós desistimos regularmente da privacidade por conveniência. Apenas o fazemos de forma consciente e consciente.

GAZETTE: O que mais você faz para proteger sua privacidade online? Utilizam encriptação para o vosso e-mail?

SCHNEIER: Cheguei à conclusão de que o e-mail é fundamentalmente inseguro. Se eu quiser ter uma conversa online segura, eu uso uma aplicação de chat encriptada como o Signal. De um modo geral, a segurança do e-mail está fora do nosso controle. Por exemplo, eu não uso o Gmail porque não quero que o Google tenha todo o meu e-mail. Mas da última vez que verifiquei, o Google tem metade do meu e-mail porque todos vocês usam Gmail.

GAZETTE: O que o Google sabe sobre vocês?

SCHNEIER: O Google não está dizendo porque eles sabem que isso assustaria as pessoas. Mas pense nisso, o Google sabe muito sobre todos nós. Nunca ninguém mente a um motor de busca. Eu costumava dizer que o Google sabe mais sobre mim do que a minha mulher, mas isso não vai longe o suficiente. O Google conhece-me ainda melhor, porque o Google tem uma memória perfeita de uma forma que as pessoas não têm.

GAZETTE: O Google é o “Big Brother?”

SCHNEIER: “Big Brother” no sentido orwelliano significava grande governo. Isso não é o Google, e isso nem sequer é a NSA. O que nós temos são muitos “Irmãozinhos”: Google, Facebook, Verizon, etc. Eles têm enormes quantidades de dados sobre todos, e querem monetizá-los. Eles não querem respeitar sua privacidade.

GAZETTE: Em seu livro “Data and Goliath: The Hidden Battles to Collect Your Data and Control Your World”, você recomenda algumas estratégias para que as pessoas protejam sua privacidade online. Qual delas é a mais eficaz?

SCHNEIER: Infelizmente, vivemos num mundo onde a maioria dos nossos dados está fora do nosso controlo. Está na nuvem, armazenada por empresas que podem não ter os nossos melhores interesses em mente. Portanto, embora existam estratégias técnicas que as pessoas podem empregar para proteger sua privacidade, elas estão, na maioria das vezes, nas bordas. A melhor recomendação que tenho para as pessoas é que se envolvam no processo político. A melhor coisa que podemos fazer como consumidores e cidadãos é fazer disto uma questão política. Forçar os nossos legisladores a mudar as regras.

Optar por sair não funciona. É um disparate dizer às pessoas para não carregarem um cartão de crédito ou para não terem um endereço de e-mail. E “cuidado com o comprador” é colocar muito em cima do indivíduo. As pessoas não testam seus alimentos quanto a patógenos ou suas companhias aéreas quanto à segurança. O governo faz isso. Mas o governo falhou em proteger os consumidores das empresas de internet e dos gigantes das mídias sociais. Mas isto vai acontecer. A única forma eficaz de controlar as grandes corporações é através do governo. Minha esperança é que os tecnólogos também se envolvam no processo político – no governo, em grupos de reflexão, universidades, e assim por diante. É aí que a verdadeira mudança vai acontecer. Eu tendo a ser pessimista de curto prazo e otimista de longo prazo. Eu não acho que isso vai fazer a sociedade entrar. Esta não é a primeira vez que vemos mudanças tecnológicas que ameaçam minar a sociedade, e não será a última.

Esta entrevista foi editada por tempo e clareza.

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