Metabolismo aeróbico e anaeróbico em peixes da camada mínima de oxigénio: o papel do álcool desidrogenase | Journal of Experimental Biology

DISCUSSÃO

As espécies de peixes terrestres do Mar Arábico e seus confamiliares da Corrente da Califórnia, do Golfo do México e da Antártida são fortes migradores verticais, movendo-se de profundidades médias de água (200-1000 m), onde passam o dia, para águas próximas à superfície à noite, onde se alimentam, na maioria das vezes em zooplâncton (Pearcy et al., 1977; Gjøsaeter, 1984; Torres e Somero, 1988a; Lancraft et al., 1989; Hopkins e Gartner, 1992; Luo et al., 2000). A migração vertical é uma estratégia de forragem utilizada por lanternfishes de todo o mundo (Robinson et al., 2010), tornando as quatro regiões do presente estudo sistemas experimentais naturais que diferem marcadamente nos seus perfis de oxigénio dissolvido e temperatura, mas muito pouco nos hábitos diários das suas espécies comuns. Assim, os sujeitos experimentais para as quatro regiões foram análogos ecológicos. As respostas fisiológicas a duas importantes variáveis físicas, oxigênio e temperatura, estavam em jogo.

Fig. 2.

ANCOVA comparando atividades de lactato desidrogenase (LDH), álcool desidrogenase (ADH), citrato sintetase (CS) e malato desidrogenase (MDH) em lanternfishes do Mar Arábico e do Golfo do México. Os valores médios são mostrados com limites de confiança de ±95%. WM, massa húmida. Todas as médias são significativamente diferentes entre as duas regiões (P<0,05, ANCOVA). Veja Resultados para detalhes.

No Mar Arábico e no Golfo do México, o oxigênio foi claramente a variável física com maior influência. Os perfis de temperatura nos dois sistemas eram praticamente idênticos (Fig. 1), mas os perfis de oxigênio diferiam radicalmente. No sistema do Mar Arábico, o oxigênio desapareceu a uma profundidade de 200 m e permaneceu em zero a uma profundidade de 1000 m, enquanto que no Golfo do México, o oxigênio caiu para cerca da metade dos valores de superfície (saturação do ar) na mesma faixa (Fig. 1). Em ambos os sistemas, os peixes residiam no mínimo de oxigénio durante as horas do dia. No entanto, no Mar Arábico os mictófidos teriam sido limitados à anaerobiose mas no Golfo do México as concentrações de oxigénio estavam bem dentro da gama normoxica dos mictófidos (Donnelly e Torres, 1988). As estratégias bioquímicas da espécie para lidar com seus respectivos perfis de oxigênio se refletem em suas atividades enzimáticas. O LDH, a enzima terminal na via glicolítica durante a anaerobiose, é cerca de três vezes superior nos peixes do Mar Arábico do que nos do Golfo do México, sugerindo uma forte capacidade anaeróbica (Fig. 2). Em contraste, a actividade muito superior de CS nos peixes do Golfo do México indica uma estratégia altamente aeróbica, possibilitada pelo mínimo de oxigénio suave encontrado no Golfo do México. A actividade de ADH nos peixes do Mar Arábico foi também cerca de três vezes superior à observada nos peixes do Golfo do México, dando aos peixes a maquinaria bioquímica para converter o lactato, que não pode ser excretado nas guelras, em etanol, que pode (Shoubridge e Hochachka, 1980; Vornanen et al., 2009).

Fig. 3.

ANCOVA comparando atividades de LDH, ADH, CS e MDH em lanternfishes da Terra Fronteiriça da Antártica e Califórnia. São apresentados valores médios ±95% de limites de confiança. Os meios são significativamente diferentes entre as duas regiões (P<0,05, ANCOVA) para LDH e ADH, mas não para CS e MDH. Ver Resultados para detalhes.

O modelo atual para conversão de lactato em etanol em peixes vermelhos e carpas (por exemplo, Shoubridge e Hochachka, 1980; Vornanen et al., 2009) requer primeiro que o lactato seja oxidado para piruvar na presença de NADH, uma etapa termodinamicamente ascendente (ΔG′°=+25,1 kJ mol-1) (Lehninger, 1970). O piruvato é posteriormente convertido em acetaldeído dentro da mitocôndria pelo complexo de piruvato desidrogenase, com a liberação de CO2. O acetaldeído é então reduzido a etanol por ADH na presença de NADH (Fig. 4). O mecanismo bioquímico para a formação do etanol está localizado exclusivamente no músculo nadador, que processa não apenas o lactato gerado dentro do músculo, mas também o produzido por outros tecidos, como cérebro, fígado e coração, e entregue ao músculo pela corrente sanguínea (Shoubridge e Hochachka, 1980; Vornanen et al., 2009) (Fig. 4). A actividade do ADH encontrado no músculo dos peixes do Mar Arábico sugere uma estratégia semelhante.

Músculo esquelético dos peixes desempenha um papel importante no processamento pós-exercício do lactato através das vias gluconeogénicas e glicogénicas, uma situação muito diferente da dos mamíferos, onde a maquinaria enzimática para regenerar a glucose é principalmente encontrada no fígado (Suarez et al., 1986; Moon, 1988; Gleeson, 1996). O músculo dos peixes é assim mais multi-funcional do que o dos mamíferos, possuindo uma maior variedade de enzimas e uma maior flexibilidade metabólica inerente do que o músculo dos mamíferos, incluindo um maior potencial de biossíntese (Gleeson, 1996). De facto, foi demonstrado que o músculo esquelético dos peixes sequestra o lactato após o exercício (Gleeson, 1996), facilitando a regeneração da glicose dentro do músculo e melhorando a recuperação pós-exercício. No caso dos peixes vermelhos, da carpa cruciana e agora dos lanternfishes, a flexibilidade metabólica do conjunto enzimático muscular permite novas soluções bioquímicas para o problema da anaerobiose.

Fig. 4.

A via ADH em peixes vermelhos e carpas crucianas. O músculo esquelético actua como câmara de desobstrução do lactato produzido no cérebro, coração e fígado durante a anaerobiose. O lactato é absorvido pelo músculo e convertido em piruvato pelo LDH. O piruvato atinge o músculo através da corrente sanguínea e aquele produzido durante a atividade glicolítica no músculo é processado pela via da desidrogenase piruvada (PDH) dentro da mitocôndria para produzir acetaldeído e CO2; o acetaldeído é convertido em etanol dentro do citosol, e o etanol pode então se difundir para fora da célula para ser excretado nas brânquias. Modelo adaptado de Shoubridge e Hochachka (Shoubridge e Hochachka, 1980); figura após Vornanen et al. (Vornanen et al., 2009) com permissão de Elsevier.

MDH também foi significativamente maior nos peixes do Mar Arábico do que nos do Golfo do México, mas os múltiplos papéis da MDH na célula tornam a explicação para isto consideravelmente menos simples. O tecido muscular foi homogeneizado com homogeneizadores de vidro moído, o que permitiria que tanto a MDH citosólica como a mitocondrial fossem activas no cocktail do ensaio. As atividades relatadas na Tabela 1 foram, portanto, uma combinação da atividade de MDH dos dois compartimentos celulares. No metabolismo aeróbio, a MDH é claramente importante como a enzima catalisadora da formação do oxaloacetato no ciclo de Krebs. Além disso, durante as condições aeróbicas, a MDH citosólica e mitocondrial trabalha em conjunto com o vaivém reduzindo os equivalentes produzidos pela glicólise na mitocôndria para processamento no sistema de transporte de electrões, uma necessidade devido à impermeabilidade da membrana mitocondrial à NADH citosólica. Um terceiro papel da MDH é a catalisação de um passo importante na via gluconeogênica convencional. Acontece que, no músculo do peixe, acredita-se que a gluconeogênese prossegue por uma reversão quase direta da glicólise (Suarez et al.., 1986; Moon, 1988; Gleeson, 1996) e MDH não é um participante importante.

O que é mais provável é que a MDH ajude a manter o equilíbrio redox dentro da célula durante os períodos de transição de condições normoxicais para anóxicas à medida que os peixes migram para baixo para o mínimo de oxigénio durante o dia e novamente à medida que os peixes migram para cima em direcção ao oxigénio mais elevado das águas superficiais à noite. O vaivém de malatos pode mover NADH para dentro ou para fora da mitocôndria, dependendo das necessidades celulares para reduzir a energia.

As espécies de peixes-lanternfish da Terra Fronteiriça da Califórnia e da Antárctida mostraram tendências semelhantes às dos seus confamiliares do Mar Arábico e do Golfo do México, com a ressalva de que a temperatura, bem como o oxigénio, influenciaram os resultados. Electrona antarctica, o migrador vertical mais forte e ativo entre as espécies antárticas também mostrou a maior atividade de LDH, dando às espécies antárticas como um todo um valor significativamente maior do que as da Califórnia na mesma temperatura de ensaio. A influência da adaptação da temperatura num peixe robusto e activo (Torres e Somero, 1988b; Yang e Somero, 1993; Vetter e Lynn, 1997) é a explicação mais provável para o seu elevado valor. Se a actividade LDH de Electrona é considerada à sua temperatura ambiente de 0°C, ou metade do valor da Tabela 1 (54 U g-1 de massa húmida), está directamente na gama média de valores para as espécies da Califórnia a 10°C, sublinhando a influência ascendente da adaptação da temperatura sobre a actividade LDH em Electrona. Nem a atividade CS nem a MDH apresentaram diferenças significativas entre as espécies da Califórnia e da Antártida à temperatura de ensaio de 10°C, embora os valores médios para as espécies da Califórnia fossem mais altos em ambos os casos.

Atividade de ADH foi significativamente maior nas espécies da Califórnia, apesar da influência da temperatura de ensaio, que, como no caso do LDH, teria tendido a enviesar os valores da Antártida para cima. Com ADH, a influência mais provável nas atividades enzimáticas em geral foi o mínimo de oxigênio da Califórnia, que em seu núcleo (700 m; Fig. 1) apresenta um valor de 0,2 ml l-1. Migrações verticais de lanternfishes da Califórnia os levariam a valores diurnos de oxigênio entre 0,5 e 1,0 ml l-1 (16-32 Torr, ∼2.1-4,2 kPa), bem abaixo de suas capacidades de extrair oxigênio de forma eficiente (cf. Torres et al, 1979; Donnelly e Torres, 1988).

Lanternfishes from the Arabian Sea and the California Borderland encontram concentrações de oxigênio de zero a quase zero em suas profundidades diurnas, após um banho de pelo menos 5000 comprimentos corporais durante sua excursão descendente (assumindo um banho mínimo de 300 m e um comprimento corporal de cerca de 5 cm; Tabela 1). O seu recurso mais eficiente energeticamente seria manter a actividade natatória dentro do mínimo de oxigénio ao nível mais baixo possível, de modo a minimizar a necessidade de anaerobiose. A maioria dos anaeróbios facultativos (por exemplo, bivalves) (Hochachka, 1980; Hochachka e Somero, 2002) apresentam uma acentuada quebra na actividade durante a anaerobiose como resultado do elevado custo energético até mesmo das vias anaeróbias mais eficientes. A atividade mínima minimiza o uso da energia armazenada. Quando associado ao uso da via ADH, o acúmulo do produto final também seria minimizado pela excreção de etanol nas brânquias, mantendo-se o equilíbrio redox dentro das células musculares. A excursão para cima ao anoitecer em águas normoxicas pode então ser iniciada com uma ‘ardósia metabólica’ relativamente limpa com o transporte de malato ajudando na transição como descrito acima.

Migração vertical de campo é uma adaptação exibida por muitas espécies de zooplâncton e micronekton além dos lanternfishes (Hopkins et al., 1994; Hopkins et al., 1996; Robinson et al., 2010), presumivelmente para minimizar a predação visual. Como a acuidade visual e o risco de ataque por predadores visuais são muito maiores durante o dia, muitos animais só entram nas águas superficiais ricas em alimento à noite, migrando para as profundezas mais escuras ao amanhecer. As espécies que residem dentro dos mínimos de oxigénio, ou que migram para eles, estão a lidar com uma característica física estável (Stramma et al., 2008) que pode ser abordada através da adaptação fisiológica e bioquímica. No caso dos lanternfishes estudados no presente trabalho, o mínimo de oxigénio fornece um refugo de predadores pelágicos que teriam a mesma dificuldade de caça nos mínimos de oxigénio do Mar Arábico ou da Terra Fronteiriça da Califórnia que nas zonas mortas do oceano costeiro.

Os peixes de água média do oceano aberto diferem consideravelmente dos peixes costeiros e de água doce no tempo e carácter da sua exposição a oxigénio baixo ou zero. O anaerobe piscine mais realizado (e melhor estudado), a carpa cruciana, sofre uma estada previsível a zero oxigénio durante os meses de Inverno no seu habitat nativo da Ásia Central e Europa (Vornanen e Paajanen, 2004). Indivíduos que habitam pequenas lagoas eutróficas durante o Inverno sob o gelo e a cobertura de neve que impedem a troca atmosférica, resultando em períodos de anóxia que podem durar 90 dias ou mais (Piironen e Holopainen, 1986). O fato de a exposição à anóxia ser um evento sazonal permite um ajuste metabólico e morfológico antes da queda do oxigênio ambiental. O ajuste metabólico inclui o acúmulo de glicogênio no fígado, músculo, cérebro e coração para alimentar a necessidade de atividade anaeróbica. Os ajustes morfológicos incluem um aumento do número de lamelas branquiais, resultando num aumento de 7 vezes a área de superfície das brânquias (Vornanen et al., 2009) para facilitar a troca de oxigênio. Talvez o mais surpreendente é o facto do coração e cérebro da carpa cruciana permanecerem plenamente funcionais durante a anóxia, uma estratégia única entre os vertebrados, permitindo que o etanol extraído dos tecidos musculares seja entregue para excreção nas guelras, e a distribuição da glicose das reservas hepáticas aos locais necessitados (Vornanen et al., 2009).

Os peixes marinhos costeiros encontram hipóxia numa variedade de situações naturais e antropogénicas. Poças de maré ou canais em áreas com vegetação em decadência, como em povoamentos de mangue, ou em áreas intertidais com lama organicamente rica, podem ficar anóxicas na maré baixa, por vezes expondo espécies nativas a sulfeto (Bagarinao e Vetter, 1989; Graham, 1997; Geiger et al., 2000). Nos peixes que estão equipados para o fazer, a respiração do ar é uma opção viável para minimizar os efeitos da anóxia e exposição aos sulfuretos (Graham, 1997; Geiger et al., 2000). Outros exploram a opção bioquímica da oxidação mitocondrial do sulfureto para minimizar os seus efeitos tóxicos, semelhante às espécies nas fontes hidrotermais (Bagarinao e Vetter, 1989). Na maioria dos sistemas hipóxicos naturais, as excursões a oxigénio zero são episódicas, como nas piscinas de mangais, ou ocorrem regularmente na maré baixa durante os meses mais quentes do ano. Essas situações são previsíveis e muitas vezes suficientes para serem acomodadas pela adaptação fisiológica. Espécies que vivem em ambientes sujeitos a hipoxia natural estão fisiologicamente preparadas para lidar com ela.

Eventos antropogénicos induzidos ou hipóxicos aumentados, ou zonas mortas, estão a ocorrer com maior regularidade nos oceanos e baías costeiras da América do Norte, Europa e Ásia (Diaz e Rosenberg, 2008). As zonas mortas estão geralmente associadas ao escoamento de nutrientes e estratificação de verão em sistemas marinhos rasos (Diaz e Breitburg, 2009; Rabalais et al., 2002). A carga de nutrientes acelera a produção e a mistura de oxigénio atmosférico é inibida pela estratificação da coluna de água. Abaixo da camada mista, a degradação microbiana da matéria orgânica afundada esgota severamente o oxigênio, em alguns casos removendo todo o valor do fundo e do habitat próximo do fundo (Diaz e Breitburg, 2009). A sobrevivência dos peixes em zonas hipóxicas é determinada pela eficácia das espécies na remoção do oxigénio a PO2 reduzido (Chapman e McKenzie, 2009; Perry et al., 2009; Richards, 2009), que varia consideravelmente entre taxas (Richards, 2009). Em nenhum caso a anaerobiose prolongada é usada pelos peixes como estratégia para lidar com zonas mortas.

Se existem pequenas mas consistentes quantidades de oxigénio na água, tais como numa zona mínima de oxigénio, os animais desenvolveram mecanismos para a sua extracção e utilização. Três mecanismos são o aumento da área superficial das brânquias, um sistema circulatório eficiente e um pigmento sanguíneo de alta afinidade. Grandes áreas da superfície das brânquias foram medidas em peixes que habitam a camada mínima de oxigênio da Corrente Califórnia (Ebeling e Weed, 1963; Gibbs e Hurwitz, 1967). Gnathophausia ingens, um crustáceo lophogastridico residente nesta área, além de ter brânquias altamente desenvolvidas e um sistema circulatório eficiente (Childress, 1971; Belman e Childress, 1976), tem uma hemocianina de alta afinidade com um grande efeito Bohr positivo e alta co-operatividade. É capaz de carregar oxigênio a uma pressão parcial de 6 Torr (∼0.8 kPa); sua alta cooperatividade permite que o pigmento descarregue oxigênio nos tecidos através de um gradiente de difusão muito pequeno (Sanders e Childress, 1990).

Os lanternfishes compreendem uma espécie, família de peixes pelágicos pan-globais, a grande maioria dos quais são migradores verticais (Nelson, 2006; Smith e Heemstra, 1991). Suas distribuições geográficas incluem todos os severos mínimos de oxigênio oceânico, dois dos quais foram tratados no presente estudo. Propomos que, em vez de utilizar a estratégia das espécies que permanecem permanentemente dentro das porções mais severas da camada mínima de oxigênio, o que requer um considerável investimento fisiológico e morfológico (Childress e Seibel, 1998), elas são capazes de utilizar a via ADH para minimizar a acumulação do produto final, enquanto utilizam a anaerobiose durante parte do dia para lidar com as exigências do mínimo de oxigênio. A estratégia anaeróbica lembra aquela utilizada pelas espécies intertidais durante as marés baixas (cf. Hochachka, 1980; Torres et al., 1977), mas com a vantagem de uma entrada mais previsível e controlável em baixas quantidades de oxigênio. Este é o primeiro relatório da actividade de ADH no músculo dos peixes que não o peixe dourado e a carpa, uma estratégia anaeróbica largamente não negligenciada que pode ser mais generalizada.

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