Anorgasmo é a incapacidade de alcançar o orgasmo após qualquer tipo de estimulação sexual.1 O desejo sexual, estimulação psicológica e física, ereção peniana e ejaculação tipicamente precedem o orgasmo masculino.2 As erecções são reguladas pelo sistema nervoso parassimpático através do plexo hipogástrico inferior e pelo sistema nervoso somático através das fibras nervosas pudendas, ambas as quais surgem dos nervos sacrais S2 a S4.3 A ejaculação é conduzida através do plexo hipogástrico originando-se nos gânglios da cadeia simpática dos segmentos da medula espinhal T11 a L2,4,5 As contrações musculares involuntárias lisas das vesículas seminais e os músculos estriados do assoalho pélvico dão origem à libertação do sémen associado ao orgasmo. As aferências envolvidas no prazer sexual ativam áreas do cérebro como a zona de transição mesodiencefálica (que inclui o tegmento mesencefálico e o hipotálamo), estruturas subcorticais (núcleo caudado, tálamo), o córtex cerebral (principalmente a amígdala e o neocórtex direito) e até mesmo o cerebelo.6
Desordens da função sexual como resultado de condições neurológicas tais como trauma craniano, acidente vascular cerebral, epilepsia, doença de Parkinson, esclerose múltipla, mielopatia e neuropatia periférica já foram descritas anteriormente na literatura.7
Apresentamos o caso de um paciente com anorgasmo isolado como sintoma inicial de mielite.
O paciente era um homem de 30 anos sem história médica ou cirúrgica relevante que apresentava no departamento de urologia com anorgasmo. Da adolescência aos 20 anos de idade, o paciente descreveu desejo sexual satisfatório, sem disfunção erétil e ejaculações normais acompanhadas de orgasmo. No momento da consulta, no entanto, revelou uma perda completa do prazer sexual durante os 10 anos anteriores, embora todas as outras funções sexuais permanecessem intactas. Ele não relatou disfunção uretral ou do esfíncter anal. O exame físico do assoalho pélvico e da genitália externa, uma ecografia com Doppler escrotal, um espermiograma e uma análise hormonal (incluindo testosterona, estradiol, prolactina, LH e FSH) produziram resultados normais. O paciente foi encaminhado ao departamento de neurologia, onde um exame revelou resultados normais, exceto para palestésicos nos membros inferiores.
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(A) Ausência de potenciais evocados somatossensoriais no nervo interno do nervo pudendo. (B) A estimulação magnética transcraniana registrada do músculo bulbocavernoso em estado relaxado (1) e após facilitação motora (2) mostrou latência normal. (C) Resposta simpática da pele à estimulação nociceptiva da sola direita (1), da sola esquerda (2), da palma direita (3) e do períneo (4). (D) Reflexo bulbocavernoso direito (1) e esquerdo (2) com latência e simetria normais.
Ressonância magnética craniana, cervical, dorsal e lombar mostrou mielomalácia na medula espinhal posterior no nível T5-T6 que era compatível com complicações residuais da mielite (Fig. 2).
Sequências de RM axial (A) e transversal (B) T2 da coluna dorsal mostrando hiperintensidades no centro da medula espinhal em T5-T6 e sem efeito de massa, captação ou edema, o que é compatível com sinais residuais de mielomalácia.
Análises de sangue (incluindo função tireoidiana e níveis de vitamina B12), testes serológicos (HIV, HTLV, CMV, EBV, borrelia, sífilis) e testes autoimunes (ANA) não revelaram a etiologia da mielite transversa.
As correlações entre mielite transversa e síndromes sexuais já foram descritas anteriormente na literatura.8,9 A anorgasmia masculina como único distúrbio sexual após lesões da medula espinhal é incomum. Alterações sensoriais, sintomas motores e disfunção esfincteriana são sintomas concomitantes que dependem da localização e tamanho da lesão.10 Neste caso particular, a resposta simpática normal da pele do períneo é compatível com a preservação da via simpática dos gânglios da cadeia simpática em T11-L2 para os nervos pélvicos e, consequentemente, para a função erétil intacta. Estudos anal e reflexos bulbocavernosos não indicaram comprometimento sensorimotor do assoalho pélvico ou arco reflexo. Estes sistemas regulam os esfíncteres estriados, a sensibilidade dos dermatomas S2-S4, a ejaculação e a transmissão do prazer sexual. A ausência de SEP e mielomalácia limitada à porção torácica da coluna vertebral posterior explica a ausência de transmissão aferente do orgasmo, bem como a palestesia. A preservação do trajeto motor corticospinal é confirmada pelos resultados da estimulação magnética transcraniana. O estudo eletromiográfico e a neurografia descartaram distúrbios neuromusculares esfíncteres focais e sistêmicos, respectivamente.
A análise das histórias sexuais e da função sexual não é uma prática comum nas consultas de neurologia. Uma história sexual básica e o conhecimento dos testes complementares disponíveis podem ajudar a gerenciar pacientes com síndromes sexuais de possível origem neurológica.
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